The Studio
BIOGRAFIA (Brevemente)
A escrita é um exercício de uma permanente busca da melhor palavra, frase, conjugação de ideias, parágrafo, enfim. Há casos, porém, em que a exigência é superlativa, como é a de passar ao papel a carreira mais bem sucedida de sempre da música portuguesa. E não há aqui qualquer tipo de subjetividade: diz a Marktest que Rui Veloso é o eleito.
Filho de um engenheiro químico industrial, Aureliano Capelo Veloso, e de uma professora de inglês, formada em Germânicas, Emília Gaudêncio Barbosa Capelo Veloso, Rui, 68 anos, de ambos herdou o gosto pela cultura. Aureliano também tocava viola, num grupo de antigos alunos da Faculdade de Engenharia do Porto, e Emília pintava e escrevia poesia.
Rui Manuel Gaudêncio Veloso, o mais velho de três irmãos – seguem-se Paula e José Luís –, nascido em Lisboa, a 30 de julho de 1957, mas portuense de coração, cidade para onde se mudou e que o adotou desde as três semanas de idade, tem uma obra com dez álbuns de estúdio: Ar de Rock, de 1980; Fora de Moda, de 1982; Guardador de Margens, de 1983; Rui Veloso, de 1986; Mingos & Os Samurais, de 1990; Auto da Pimenta, de 1991; Lado Lunar, de 1995; Avenidas, de 1998; A Espuma das Canções, de 2005; e Rui Veloso e Amigos – um disco de duetos –, de 2012.
A estes acrescem duas coletâneas – O Melhor de Rui Veloso, 20 anos depois, em 2000; e O Melhor de Rui Veloso, em 2015 – e ainda três discos retirados de concertos: Ao Vivo, de 1988, gravado no Coliseu do Porto nos dias 4 e 5 de junho de 1987; O Concerto Acústico, que também saiu em DVD, de 2003; e Rui Veloso ao Vivo no Pavilhão Atlântico, de 2009.
“Um café e um bagaço”, de 1981, que tem no lado B o hilariante “Cine Felicidade”; “Rock da Liberdade”, de 1983; “Maubere” – tema que teve como ideal o apoio à população e à causa de Timor Leste –, em 1992; em que se lhe juntaram Carlos Paredes, Nuno Bettencourt, Rão Kyao, Paulo Gonzo e Isabel Campelo; ou “Não me mintas”, em 1998, são singles que completam uma carreira que continua – e continuará – a atravessar gerações. Carlos Tê, o homem que deu letra às músicas, é absolutamente indissociável de toda esta história começada na Invicta e espalhada por todo o país e além fronteiras.
Se a função é escrever sobre este caminho, e ainda há pouco se referiram os nomes de quem participou no “Maubere”, há muitos outros que se lhes juntam, noutras parcerias em número sem fim: Júlio Pereira, Marta Pereira da Costa, Mário Laginha, Bernardo Sassetti, Luís Jardim, Carlos do Carmo, Paulo de Carvalho, Sérgio Godinho, Fernando Tordo, Maria João, JP Simões, Bezegol, Perfume, Carolina Deslandes, Sensi (filho de Kalú, baterista dos Xutos e Pontapés), HMB, Valéria, Expensive Soul, Luís Represas, Tito Paris, Dany Silva, Miguel Araújo, Boss AC, Gaiteiros de Lisboa, Azeitonas, Vozes da Rádio, Mariza, Nancy Vieira, Jorge Palma, Camané, Ricardo Ribeiro, Jorge Vadio, Katia Guerreiro, Zeca Medeiros, Tim, Ricardo Azevedo, Luz Casal, Cristina Branco, João Só, Rui Reininho, Pedro Abrunhosa, Manuela Azevedo, Mafalda Veiga, Lúcia Moniz ou Sara Tavares. Esta última falecida em novembro de 2023, e a quem Veloso chamou de “princesinha linda” num dueto, no Coliseu dos Recreios, onde cantaram “Saiu para a rua” – canção que Sara Tavares já havia interpretado no disco Ar de rock, 20 anos depois, um tributo ao álbum original que deu alegria e diversidade à música portuguesa. São mais, certamente, pelo que esta foi uma avenida pela qual ousámos avançar, e onde, na verdade, até poderão estar mesmo muitos mais nomes.
Em grupo, Rui Veloso fez parte, com papel de relevo, de dois dos mais interessantes projetos que se constituíram no nosso país. Em 1996, os Rio Grande, com Tim (Xutos e Pontapés), João Gil (antigo Trovante), Jorge Palma e Vitorino, com letras de João Monge, do qual nasceram dois registos: o primeiro com o próprio nome da banda e o Dia de Concerto, ao vivo, em 1998. Mais tarde, em 2002, os Cabeças no Ar. No que diz respeito aos integrantes, pode dizer-se que sucedeu ao primeiro, tendo apenas Vitorino deixado o elenco. No resto, não tem nada a ver. As letras são de Carlos Tê e deste disco consta uma das mais belas músicas alguma vez feitas e cantadas em português: “A explicação das estrelas”, em que até “Deus acordou para ver as horas numa noite de janeiro…”
O músico, desde sempre influenciado pelos blues – começou a tocar harmónica aos seis anos e guitarra com quinze –, teve um dos pontos mais altos da carreira quando atuou com B.B. King, o rei do referido género. Foram seis vezes: quatro em 1990, duas no Estoril e mais duas no Porto; outra em 1996, no Coliseu de Lisboa; e, por fim, de novo na capital, em 1998, na Expo. Para quem tinha O americano como uma das referências maiores, estas apresentações foram uma espécie de expoentes máximos.
Mas Rui também atuou com os brasileiros Lenine, Erasmo Carlos, Pepeu Gomes, Lulu Santos, Vanessa da Mata, Maria Rita, Ed Motta, Tony Garrido, Leila Pinheiro ou Gilberto Gil, então ministro da cultura do Brasil, neste último caso numa memorável abertura do Rock in Rio Lisboa 2004, cantando Imagine, de John Lennon, com a Orquestra Metropolitana de Lisboa. Mais ainda, abriu os concertos de Steve Harley e dos Police, em 1980 e, 11 anos mais tarde, fez a primeira parte de Paul Simon, perante mais de 50 mil pessoas, no antigo Estádio José Alvalade, num momento extraordinário do artista portuense.
Para se ter uma ideia da dimensão que Rui Veloso alcançou, há números que são barómetros perfeitos: bem mais de um milhão e meio de quilómetros percorridos, só em Portugal, em deslocações para concertos, o que equivale a mais de 40 voltas ao planeta; em dezembro de 1990 atuou no Pavilhão do Dramático de Cascais com uma audiência de cerca de 12 mil espectadores, algo até então nunca registado por outro músico português; é dele o disco mais vendido de sempre da música lusitana, Mingos & Os Samurais, com saída para lá dos 140 mil exemplares, tendo, somente em quatro meses, alcançado as sete platinas, outra marca que ainda ninguém bateu, tendo estado 24 semanas no primeiro lugar do top, algo que, infelizmente, já não se contabiliza. Quantas canções compôs é difícil saber, até porque também as fez para outras vozes, como a de Mariza ou da galega Luz Casal, mas sabe-se que vendeu mais de 1,5 milhões de discos, estimando-se que, em média, em cada casa portuguesa haja pelo menos um álbum/CD/DVD do artista.
O miúdo, que deixou a Magara Blues Band, que ensaiava na cave dos pais, no Bairro dos Músicos – poderia haver melhor prenúncio –, no Porto, e era constituída pelos amigos Mano Zé e Wolfram Minnemann, e passou para a Banda Sonora, com Zé Nabo e Ramon Galarza, com quem editou o Ar de Rock, o famoso primeiro disco que lhe valeu o título de Pai do rock português – rótulo que, desde então, lhe está “estampado no peito da camisola” –, tem ainda uma sumarenta coleção de prémios: Sete de ouro para Revelação do Ano e Melhor Álbum do ano (1980); Sete de ouro Melhor Álbum do ano (1983); Sete de ouro Melhor Álbum do ano (1986); Sete de ouro Melhor Espetáculo ao Vivo (1987); Setes de ouro Melhor Espetáculo ao Vivo e Melhor tournée (1988); Best Portuguese Selling Artist, recebido na World Music Awards, em Monte Carlo (1991); Globos de ouro para Melhor Artista e Melhor Música (1999); Globo de ouro para Melhor Intérprete Individual (2004). É ordenado Cavaleiro da Ordem do Infante D. Henrique (1992), passou a Comendador da mesma Ordem em 2006; tem a Medalha de Mérito da Cidade do Porto e dá nome a uma rua em Porto Côvo, tal como Carlos Tê.
A carreira do mais aplaudido dos músicos portugueses rendeu alguns temas mais recentes como “Eléctrico amarelo” ou “Tasco da Mouraria” e a imortalidade – que Rui Veloso já disse sentir em palco – está assegurada com temas como “Chico Fininho”, “Saiu para a rua”, “Sayago Blues, “Porto Sentido” – adotada pelos portuenses como hino da cidade onde cresceu –, “Porto Côvo”, “Cavaleiro Andante”, “Não há estrelas no Céu”, “Um trolha da Areosa”, “A Paixão (segundo Nicolau da Viola)”, “Baile da Paróquia”, “O prometido é devido”, “Lado Lunar”, “Jura” ou “Não me mintas”, entre tantas outras cantadas, de fio a pavio, nos concertos.
Mas, ouvidos alerta, porque há uma imensidão de coisas para escutar com redobrada atenção. Músicas que não tiveram a devida audibilidade, seja porque não passaram tanto na rádio, seja porque ficaram um pouco na sombra de outras, sendo todo um mundo “velosiano” que é quase pecado não descobrir. A versatilidade do músico, que vai dos boleros aos fados, do funk aos ritmos africanos, está ilustrada numa grande série de temas, arriscando-se aqui exemplos para audição obrigatória: “Ai quem me dera a mim rolar contigo num palheiro” e “No domingo fui às Antas”, do Ar de Rock; “Balada da fiandeira” e “A minha namorada até fala estrangeiro”, do Fora de Moda; “Elegia sanjoanina”, “Cantor da rua” e “Slow da falta de quorum”, do Guardador de Margens; “É triste ser-se crescido”, “Directo à cabeça”, “Champanhe” e “África”, do Rui Veloso, o disco que devia ter-se intitulado Os Vês pelos Bês; “Irmãos de Sangue”, “Tuna recreativa” e “Mago do Bilhar”, do Mingos & Os Samurais; “Fado Pessoano”, “Malmequer” e “Guadiana”, do Lado Lunar; “O meu Guru”, “Moby Dick” e “Corações periféricos”, do Avenidas; “Os velhos do jardim”, que está no Concerto Acústico; “Recado a Rosanna Arquette”, “Não percas o teu mistério”, “A veia do poeta” e “A invenção do canto”, do Espuma das Canções.
Não foi referida qualquer música do Auto da Pimenta, tão só porque todo ele é uma espécie de joia da coroa, uma encomenda da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses. Esta é “possivelmente, a obra cimeira de Rui Veloso e da própria canção portuguesa moderna”, segundo uma tese de Marcos Alexandre Morais (Universidade Federal de Alagoas) e Paula Cristina Rocha (Universidade Federal da Paraíba), intitulada “Auto da Pimenta: as navegações portuguesas revisitadas por trovadores contemporâneos”. “A parceria Rui Veloso & Carlos Tê é responsável por um dos discos mais emblemáticos do cancioneiro popular português moderno, Auto da Pimenta – o qual, do mesmo modo que algumas das grandes obras literárias nacionais como a Mensagem, de Fernando Pessoa, foi capaz de adentrar pela história e pelo imaginário lusitano através do mar, das navegações e da saudade”, escreveram ainda Alexandre Morais e Cristina Rocha.
Cronologia
1957 – Nasce em Lisboa a 30 de julho
1957 – Em agosto muda-se para o Porto
1963 – Com seis anos começa a tocar harmónica
1972 – Com 15 anos inicia-se na guitarra
1975 – Integra a Magara Blues Band
1976 – Conhece Carlos Tê
1979 – Assina contrato com a EMI – Valentim de Carvalho
1980 – “Ar de Rock” é gravado em abril e editado em julho
1980 – 18 de agosto concerto em Lagos, Rui Veloso toca antes de Steve Harley
1980 – 2 de setembro abre concerto dos Police, no Estádio do Restelo
1980 – Muda-se para Lisboa
1980 – Só neste ano “Ar de Rock” vende mais de 30 mil cópias
1980 – Dois Sete de ouro – Melhor álbum do ano e Revelação
1981 – Single “Um café e um bagaço”
1982 – “Fora de Moda”
1983 – “Guardador de Margens” é editado em novembro
1983 – Sete de ouro para melhor álbum do ano
1983 – Single “Rock da Liberdade”
1983 – Sete de ouro
1984 – Integra o Cascais Jazz
1986 – “Rui Veloso”, que deveria ter-se chamado os Vês pelos Bês
1986 – Sete de ouro para melhor álbum do ano
1988 – “Rui Veloso ao vivo” (registo dos concertos no Coliseu do Porto nos dias 4 e 5 de junho de 1987)
1987 – Recebe a Medalha de Mérito da Cidade do Porto
1988 – Dois Sete de ouro – Melhor espetáculo ao vivo e Melhor tournée
1990 – Quatro concertos com B.B. King, dois no Casino do Estoril (16 e 17 de março), outros dois no Coliseu do Porto (18 e 19 de março)
(18 de março, 21h30, concerto com B.B. King no Coliseu do Porto, 3.a tribuna 2500$00)
1990 – “Mingos & Os Samurais”, lançado em agosto (Sete discos de platina, o que nunca outro português alcançou, e 24 semanas seguidas a liderar o top de vendas)
1990 – Seis Coliseus esgotados entre Lisboa e Porto. Espetáculos que ficam marcados por, cerca de uma hora antes, as salas estarem já repletas com os espectadores a cantar as músicas do “Mingos & Os Samurais”
(Porto, a 31 de outubro, cadeira de orquestra, 3500$00)
1990 – concerto no Pavilhão do Dramático de Cascais com mais de 12 mil pessoas
1991 – “Auto da Pimenta”
1991 – Best Portuguese Selling Artist, recebido na World Music Awards, em Monte Carlo
1991 – Em julho, com mais de 50 mil pessoas no antigo Estádio José Alvalade, abre concerto de Paul Simon
1992 – Concerto em Sevilha, Expo
1992 – É ordenado Cavaleiro da Ordem do Infante D. Henrique, por Mário Soares
1994 – Maxi-single “Maubere”
1995 – “Lado Lunar” é editado em novembro
1996 – Participa no disco/banda “Rio Grande”
1996 – Concerto com B.B. King em Lisboa
1997 – “Rio Grande, dia de concerto”
1997 – Compõe pela primeira vez para um intérprete estrangeiro, a espanhola e galega Luz Casal
1998 – “Avenidas”, sai em finais de novembro
1998 – Concerto em Lisboa com B.B. King, na Expo
1998 – Globos de Ouro para Melhor Intérprete Individual e Melhor Canção “Todo o tempo do mundo”
1999 – Single “Não me mintas”, tema principal do filme “Jaime”, de António Pedro Vasconcelos, passado no Porto
2000 – “O Melhor de Rui Veloso, 20 anos depois” sai a 7 de dezembro
2001 – Dias 12 e 13 de outubro, Porto Cantado, no Coliseu do Porto, com Sérgio Godinho, Manuela Azevedo, Vozes da Rádio, entre outros
2002 – “Cabeças no Ar”
2003 – “O Concerto Acústico” é editado em novembro e faz tripla platina. A 5 de dezembro é editado em DVD
2004 – Abre primeira edição do Rock in Rio Lisboa com o tema Imagine, de John Lennon, cantado com Gilberto Gil, então também ministro da cultura brasileiro. Foram acompanhados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa
2004 – Atua no Rock in Rio Lisboa para mais de 55 mil pessoas
2004 – Globo de Ouro para Melhor Intérprete Individual
2005 – “A Espuma das Canções”
2006 – Volta ao Rock in Rio, a 2 de junho, dia de Carlos Santana e Roger Waters
2006 – É ordenado Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, por Jorge Sampaio
2007 – Editada a biografia “Os Vês pelos Bês” de Ana Mesquita
2009 – “Rui Veloso ao Vivo no Pavilhão Atlântico” (gravado em 2006 no estúdio móvel Auditiv)
2010 – Reedição de “Mingos & Os Samurais”, com DVD do concerto no Coliseu dos Recreios de 1990
2010 – JN relança toda a obra de Rui Veloso em CD, acompanhado de um pequeno “livro” com texto introdutório de João Gobern e as letras de todos os temas, álbum a álbum
2010 – Atua no Rock in Rio Lisboa com os brasileiros Maria Rita e Tony Garrido
2011 – Porto Côvo dá nome de rua a Rui Veloso e Carlos Tê
2012 – “Rui Veloso e amigos”
2015 – “O Melhor de Rui Veloso”
2018 – 9 de julho recebe a Medalha de Honra da Cidade do Porto, sendo apenas a segunda personalidade a ser agraciada com tal distinção. A primeira foi Jorge Nuno Pinto da Costa, à altura presidente do FC Porto. “Sou uma figura do Porto, é inegável (…) Gostaria de mencionar o Carlos Tê, que foi o homem que escreveu o ‘Porto Sentido’ e que, provavelmente, merecia uma honra destas e com quem eu gostaria de dividir esta medalha”, disse o músico na altura
2022 – É lançada a guitarra oficial Rui Veloso, fabricada pela Walden, com características definidas pelo músico. Sendo a ideia celebrar 40 anos de carreira, foram fabricados 40 exemplares
2024 – 14 de fevereiro, As canções de amor de Rui Veloso, Coliseu do Porto
2025 – 24 de maio, concerto de excelência e “único”, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de abril, na escadaria exterior do Palácio de São Bento, em Lisboa, com a Banda Sinfónica da GNR e ainda John Beasley
@Rui Guimarães